quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sonho

Desenho e sonho de Artur Mattar

E se os cães de Dionísio
Se arremessassem contra os vidros do vagão,
Ameaçando assim nossa viagem tranquila
Com estilhaços, sangue e saliva espessa...
À brigadeiro não mais se sucederia o Paraíso,
E estaríamos então em plena travessia,
Fugindo por labirintos sem porto ou porvir.

Mas a blindagem severa,
Que protege o bom burguês das balas perdidas e da fúria das mênades,
Dos Sátiros do acaso e da ventania que eriça cabeleiras de leões,
Nos permitiu chegarmos ilesos à Consolação.
Dionísio fincou pé de pedra e esquecimento nos Jardins do Trianon.

Sim, eramos três num vagão!
Capturados na engenharia dos sonhos uns dos outros,
Quantos seriamos nós?

Da janela de nossa embarcação
Veem- se, sob a baba do Deus delirante,
um bravo guerreiro e um sujeito descalço
se amando sobre a plataforma vazia.
Engendram Eros sob os coturnos das moedas.
Escaparam das presas do cão,
Dos Urubus de asas e cassetetes,
E celebram bravamente sua loucura,
que se esfuma e despedaça
A cada novo despertar.


















domingo, 28 de agosto de 2011

Pequena fábula de um amor de alhures e de além.

Por Rodrigo Mercadante
Para um amigo


Procurava tanto o amor...
Era um sumidouro de espelho,
Era alhures,
Era alto,
Era além.
Procurava- o tanto em seu reflexo nas águas,
Que sobre elas caminhava, sem se molhar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Casa 2 por Rodrigo Mercadante

Às vésperas de uma demolição

Ela era eu mais do que ela mesma
Ela era minha mais do que de todos os outros.
Mais infância que ruína
Mais rima, mais rima, mais rima

Nunca se riu de mim,
Mas me assombrava sob os vãos da escada.
Há um chapisco de cada medo meu
Sob a tinta da parede
E mesmo a parede,
É mais rosto que pedra,
Mais sangue, mais cerne!

Marcados na aresta de um canto
Ums riscos rabiscos uns sobre os outros
medem minha história em datas e polegadas:
"Um dia ele espicha"!!
Toneladas, toneladas de pensamentos
tolos, tortos, cheios de musgo, gesso, madeira podre
Se acumularam em hipóteses sob os ladrilhos vermelhos da sala.

E histórias,
Tantas histórias compondo seus vitrais...
A louca escondida 7 dias sob uma escada esquecida,
Um trapézio no centro da sala,
A piscina burguesa a transbordar desejos,
A goiabera onde moravam os primos,
O sofá de onde o mundo era visto ao avesso,
Uma torneira, um galo, uma oficina
Um sótão onde ninguém chegava,
Uma adega onde viviam
Todos os espíritos que animam sons, telhas, treliças,
E que ainda me amedrontam nas horas mortas da madrugada.

Quais são as máquinas de esmagar memórias:
A barbárie, o capital, o futuro?
Sobre quais mortes se erguem os novos arranhacéus?
Exigem sangue e saliva como registro de escritura?
Haverá de sobreviver sob o alicerce
Das novas famílias uma gota de minhas hesitações e três perguntas sem resposta.

Antes dos tratores desmolirem esses versos,
gostaria de gritar a meus iguais que sob o chão onde pisamos por tantos anos
Havia água a se infiltar na cerâmica.
E também baratas verdadeiras habitando o subsolo de nossas ilusões.

domingo, 31 de julho de 2011

Salvação de um poema por Rodrigo Mercadante

Acidentou-se metade de um poema .
Seu coração, desesperado, se enganou num passo.
Acostumado a desacertos procurou o espaço
E desavisadamente, gozou de voo e suspensão.

Foi coração que dobrou os joelhos
Foi coração que se deu ao chão.
Quem terá socorrido a metade de um poema?

sábado, 30 de julho de 2011

Kalos - por Rodrigo Mercadante

Kalos
palavra inscrita em sua pele branda
Kalos
palavra dedicada às circunferências do verde
Kalos
palavra escrita nos papiros, nos vasos
Kalos
palavra estranha escrita aqui.

Kalos
palavra que puxa, que acolhe, umedece
Kalos
palavra soneto, palavra canção
Kalos
palavra antiga que se faz urgente
Kalos
palavra que insiste e não traduzo agora...

Kalos
palavra pintada sobre um odre de vinho
Kalos
Palavra boca a tocar a taça
Kalos
palavra olho que te vasculha as idéias
Kalos
palavra cheiro que te desvenda o corpo.

Kalos
palavra mais que palavra, dom!
Kalos
palavra de mãos tremulas, tremor essencial
Kalos
palavra potro, desembestada noite
Kalos
palavra poema que se toca de manhã

Kalos
palavra moço,
Kalos
palavra velha,
Kalos
palavra que espero
Kalos
palavra sim.





quarta-feira, 20 de julho de 2011

Para a ladeira com vocação para metáfora e para a invisibilidade.

A Ladeira da memória

Desci aos trupicões
a Ladeira da memória.
Desci numa síncopa desesperada
Fui dar no meio fio
de uma rua insuspeitada,
Sob uma janela aberta
De uma casa amarelada.
Apareci enrugado e terno
Numa foto roubada
da parede de um botequim.


Desci desembestado a Ladeira,
fui dar numa metáfora
abandonada em uma escada,
Lá engraxava um sapato
o menino com fome,
Aquele mesmo, refém de discursos e esperanças.
Enquanto um outro, saciado, se lembrava
Da estrada a percorrer,
Dos perigos, das delícias,
Do lugar a se chegar.
(Há sempre um lugar a chegar)
A chegar
A chegar

(Um gato esfarrapado
De uma insistente certeza
Se lembrava
Se lembrava
Não se sabe do que,
E Descansava
Descansava)


Rolei por alguns instantes
Sobre as Memórias do concreto
Sob o concreto, a história
Sobre a história, devaneios
Sob os sonhos, as botas
Que marcham e desbravam,
E por debaixo, a terra,
(Ah, insistente terra!)
Sempre a terra a me lembrar
Me lembrar
Me lembrar
Me lembrar

Desci incógnito seus degraus,
Me apoiando num poema,
Escorregando em seus descasos,
Com sua feiura, embevecido.
Com meus óculos modernistas
Perdi som, rítmo e Rumo,
perdi a pista.
Mas escapei de ser roubado
Ainda é minha essa carteira
com 25 mirréis e seu retrato
Ainda é minha a minha dor.










sexta-feira, 1 de julho de 2011

A esguelha de um cão- Rascunho

por Rodrigo Mercadante

Hoje, não foi o rumor de folhas secas no espelho,
Nem foi a tácita desconfiança outonal que me despertou dessa manhã azul.
Acordei cinza clarinho, acordei tarde demais,
E meu meio dia vislumbrou o entardecer entre as frestas do insuspeitado.

Terá sido um velho a circundar um olho d'água,
Ou a esguelha trágica de um cão?
Terá sido o despudor de um menino?
Ou o torpor insano no centro do furacão?

Acordei velho demais para o hoje
E jovem demais pro amanhã
Com meu corpo consumido em fogo brando
E as almas todas ensaiando um espetáculo
De fago fátuo, de farsa de pele e músculos para nenhuma comemoração.

L'amour est à réinventer, on le sait




Arte poética de Verlaine...

Antes de qualquer coisa, música
e, para isso, prefere o Ímpar
mais vago e mais solúvel no ar,
sem nada que pese ou que pouse.E preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras em ambigüidade:
nada mais caro que a canção cinzenta
onde o Indeciso se junta ao Preciso.
São belos olhos atrás dos véus,
é o grande dia trêmulo de meio-dia,
é, através do céu morno de outono,
o azul desordenado das claras estrelas!
Porque nós ainda queremos o Matiz,
nada de Cor, nada a não ser o matiz!
Oh! O matiz único que liga
o sonho ao sonho e a flauta à trompa.
Foge para longe da Piada assassina,
do Espírito cruel e do Riso impuro
que fazem chorar os olhos do Azul
e todo esse alho de baixa cozinha!
Toma a eloqüência e torce-lhe o pescoço!
Tu farás bem, já que começaste,
em tornar a rima um pouco razoável.
Se não a vigiarmos, até onde ela irá?
Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?
Que criança surda ou que negro louco
nos forjou esta jóia barata
que soa oca e falsa sob a lima?
Ainda e sempre, música!
Que teu verso seja um bom acontecimento
esparso no vento crispado da manhã
que vai florindo a hortelã e o timo…
E tudo o mais é só literatura.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Chico Buarque - Leve - Show Carioca




Falar do Rio é tão difícil quanto falar de amor.
Muito já se falou, muito já se disse, mas o mistério não se esgota. A beleza insiste se esgueirando entre as brechas da miséria. Triunfa!
"Ver Ipanema é que nem beber Jurema,
Que cenário de cinema, que poema à beira mar..."
Caminhei pela cidade que atiçou minha memória musical.
Amanhã, Patativa vai falar de Macabéa!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Each man kills the thing he loves




Oscar Wilde
Jean Genet
Jeanne Monreau
Rainer Werner Fassbinder

"No entanto,todo homem mata aquilo que adora,
Que cada um deles seja ouvido.
Alguns procedem com dureza no olhar,
Outros com uma palavra lisonjeira.
O covarde fá-lo com um beijo,
Enquanto o bravo o faz com a espada!

Uns matam o próprio amor quando ainda jovens,
Outros o fazem na velhice;
Uns estrangulam com as mãos da luxúria,
Outros com a mão de Ouro,
O que é bondoso faz uso do punhal,
Porque a morte assim vem mais depressa.

Uns amam pouco tempo,outros demais,
Uns vendem,outros compram;
Alguns praticam a ação com muitas lágrimas
E outros sem um suspiro,sequer:
Pois todo o homem mata o objeto do seu amor
E, no entanto, nem todo homem é condenado à morte."

Vídeo da TV Aldeia do Acre sobre Concerto de Ispinho e Fulô

http://www.videos.ac.gov.br/?p=28216