A Ladeira da memória
Desci aos trupicões
a Ladeira da memória.
Desci numa síncopa desesperada
Fui dar no meio fio
de uma rua insuspeitada,
Sob uma janela aberta
De uma casa amarelada.
Apareci enrugado e terno
Numa foto roubada
da parede de um botequim.
Desci desembestado a Ladeira,
fui dar numa metáfora
abandonada em uma escada,
Lá engraxava um sapato
o menino com fome,
Aquele mesmo, refém de discursos e esperanças.
Enquanto um outro, saciado, se lembrava
Da estrada a percorrer,
Dos perigos, das delícias,
Do lugar a se chegar.
(Há sempre um lugar a chegar)
A chegar
A chegar
(Um gato esfarrapado
De uma insistente certeza
Se lembrava
Se lembrava
Não se sabe do que,
E Descansava
Descansava)
Rolei por alguns instantes
Sobre as Memórias do concreto
Sob o concreto, a história
Sobre a história, devaneios
Sob os sonhos, as botas
Que marcham e desbravam,
E por debaixo, a terra,
(Ah, insistente terra!)
Sempre a terra a me lembrar
Me lembrar
Me lembrar
Me lembrar
Me lembrar
Desci incógnito seus degraus,
Me apoiando num poema,
Escorregando em seus descasos,
Com sua feiura, embevecido.
Com meus óculos modernistas
Perdi som, rítmo e Rumo,
perdi a pista.
Mas escapei de ser roubado
Ainda é minha essa carteira
com 25 mirréis e seu retrato
Ainda é minha a minha dor.
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