domingo, 20 de janeiro de 2013

A dança



Para atravessar a pista de dança,
ele me deu a mão.
E o lodo pantanoso do tempo,
que se entranhava entre meus dedos,
fez se tapete de algodão.
Midas da delicadeza,
magro, mago, menino,
cego condutor de cego
fugido de um quadro de Brueghel.

E se eu tropeçasse?
Se me perdesse?
Se me pisoteassem o couro com seus tênis de borracha?

Fazia calor na pista de dança
mão com mão,
foi desavisado seu gesto  a me lembrar do presente:
É você, é aqui, é já!
Houve brisa na pista de dança.
E eu, de mestre dançarino,
me fiz aprendiz do destino,
sob o ritmo dos passos
e os requebros do futuro.
Tão conduzido e leve pelas mãos grandes de um menino.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

os óculos do ditador - retratos masculinos

em uma cadeira de rodas  me recebeu em sua sala. short, pijama com pernas brancas a mostra. caí ao tentar pendurar uma cortina, disse ele, cortina da casa de uma tal senhora da igreja, necessitada de ajuda. fraturara o fêmur e agora possuía, dizia quase que com orgulho, duas espadas de titâneo a lhe suportar a perna. carece dizer ainda que  sua figura, antes tão assustadora, pareceu me naquele momento assustadoramente patética. possuía ainda  visíveis traços de outros tempos: a forma de responder perguntas pelos outros membros da família, decidir do que e como cada um dos convivas deveria se alimentar, proferir sentenças definitivas sobre generalidades, fazer justiças entre uma garfada e outra.as novidades de toda a prole eram dadas por ele juntamente com o juízo antecipado correspondente e  apreciação definitiva. finalizava ainda seus desígnios  com pontos de esclamação ou interrogações retóricas.
olhando suas unhas mal cortadas, as pernas de seda violeta sobre a estrutura esfacelada, a protuberância tímida do macho de outrora, o pijama cômico a lhe cobrir o peito arfante, os ralos pelos cinza-alaranjados mais revelando que cobrindo a pele murcha do crâneo, cheguei a sentir uma ponta de ternura por aquele homem que tanta dor foi capaz de causar a todos  nós. fantasma perseverante de nossa história, lobo mau, vilão de novela, alfinete espetado na goela.
ao seu lado, sua mulher olhava. verbo sem objeto. olhava. num alheamento de quem espera. o pequeno cão negro sobre seu colo respirava por ela..não falava, não latia.
o filho, a avó, repetiam frases já tantas vezes ditas, secas feito flor esmagada entre duas páginas de um compêndio de  outro século. minha história tão amarelecida....
café,chá, adoçante, aspartame, stévia, Deus, tempo tempo tempo, tia, primo, morte, morte, cabelo, coluna, com saúde, graças a Deus.
o tempo passou, pensei. eu era um outro!
nas despedidas, beijei a avó, o filho, a mulher. me voltei para ele. apertei sua mão (a mão do tempo) e sua pele era áspera, seca, quente. 
 na porta ainda me voltei e de relance pude ver, grudado a sua face, os óculos escuros do ditador.