quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Esperando .... por Kavafis


Poema de Kavafis.... estamos sempre esperando que o fim nos mostre o sentido de todo esse ir e vir, lutar, sofrer.... Mas e quando o fim não vem?




À ESPERA DOS BÁRBAROS

O que esperamos na ágora reunidos?

      É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      Que leis hão de fazer os senadores?
      Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      O nosso imperador conta saudar
      o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
      um pergaminho no qual estão escritos
      muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

      É que os bárbaros chegam hoje,
      tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

      É que os bárbaros chegam hoje
      e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

      Porque é já noite, os bárbaros não vêm
      e gente recém-chegada das fronteiras
      diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
                    [Antes de 1911]

sábado, 8 de dezembro de 2012

Eu, Oswaldo: Pierrot le Fou




Godard me chegou por Caetano Veloso lá pelo final dos anos 80. Lia um estudo sobre a vida e obra do compositor tropicalista no qual havia a descrição da polêmica entre ele e Roberto Carlos devido à proibição do filme Je vous salue, Marie.
En ce temps lá, eu e um amigo, Oswaldo Palhares, começávamos a nos tornar cinéfilos sem o saber. Frequentávamos o único cinema de arte de Belo Horizonte, sala Humberto Mauro, nos perdíamos deliciosamente  nas quebras de narrativas, nos filmes herméticos, nos clássicos e caminhávamos por horas a fio, falando deles, de nós, da vida.
Foi numa tarde, depois de estudarmos nos bancos da Praça da Liberdade que , passando pela locadora, encontrei o polêmico filme.
Sem titubear loquei- o e junto a meu amigo, comecei a assisti- lo. Nunca havíamos visto nada parecido. Era como se algo absolutamente importante se aprensentasse para nós, mas ao mesmo tempo insistisse em nos escapar. Sabíamos que havia algo alí. Oswaldo adormeceu antes que pudesse ver Marrie passando seu baton vermelho na última cena do filme. Oswaldo  voltou a Godard muitas e muitas vezes depois, realizando seu mestrado em cima do autor e se tornando um expert em teoria do cinema.
Mas o que será que me faz amar profundamente  Godard? O que me faz voltar obssessivamente a esse velho anarquista chato que ninguém quer ouvir? O mais estranho é que quanto mais herméticos são seus filmes, mais tenho a compulsão de assisti- los mais e mais.....
Essa semana comprei a maioria de seus filmes numa banca de filmes piratas na rua Augusta. Estou assistindo a todos em ordem cronológica e com muito prazer  revejo outros duas três vezes. . A impressão é cada vez mais forte.
Escrevo imediatamente depois de rever Pierrot le fou.O impacto em mim é como o que senti ao ler Irmãos Karamazov pela primeira vez, ou assistir ao Ham - Let na reabertura do Teatro Oficina. É como se a Liberdade se tornasse evidente enquanto construção. Aventura! Como se forma e conteúdo se mostrassem em sua indissociabilidade na invenção infinita da vida.
Godard desafia a todo momento. Faz Ana Karina e Belmondo falarem comigo desavergonhadamente, tira meu carro da estrada fazendo- o mergulhar no Mediterrâneo, debocha dos marinheiros americanos e rouba deles dinheiro que usam na continuação da aventura de ser livre, citam Rimbaud, Lorca numa praia deserta.
É comum dizer que Godard é um gênio do cinema cujas tantas invenções são melhor aproveitadas por outros cineastas que as roubam e aplicam melhor..... Pode ser. Mas o que me fascina sempre é esse impulso desavergonhado adolescente, evidente na Nouvelle Vague, mas que se mantem nesse velho de 82 anos.
É como se eu pudesse respirar um pouco. Como se eu e o cinema perdêssemos a vergonha de viver.


sábado, 3 de novembro de 2012

Sobre olhos azuis e poemas

Lugar comum: um mineiro que busca o mar....
Além das montanhas ele imagina... mas o que  imagina ele?
O que imaginava eu?
Criança,  aproximava -me sorrateiro de minha tia de olhos azuis.
Ela, que morava no Rio de Janeiro em frente  à praia do Leblon, prolongava um pedacinho do mar por dentro dos olhos. Qual outra razão para seus olhos azuis, a não ser o parentesco misterioso com o  mar? Enxergava para além das minhas montanhas e ladeiras de cada dia e a prova disso eram as esmeraldas cravadas justo no nascedouro dos horizontes... orgãos do ver e do imaginar outras paragens, bem incrustados no corpo. Minha tia tinha o misterioso privilégio de possuir suas próprias veredas.
Mais tarde me disseram que ela estudara Freud e que por isso podia dizer aos outros muitas verdades, sem vergonha, medo ou culpa. Não seria por causa do mar? Minha tia ia à Europa! Não iria ela pelo mar, ou pelo ar, o que em termos de cores e de olhos dá no mesmo?
O tempo passou... passamos.
Minha tia "fechou Freud e abriu Drummond" e agora faz poesia.
Já desconfiava que poemas, marolas, tormentas, odes e ondas, domingos de sol e ressacas faziam parte de um mesmo complexo poema. Quando li seus versos pela primeira vez, fiquei certo disso.
Também eu li Freud e me deito resignado em seu divã uma vez por semana a espera de ouvir verdades. Também leio constantemente os poetas,  arrisco - me em suas tormentas  e me deito na areia de seus domingos de sol.
Mas principalmente, continuo criança fascinada por olhos azuis. Quantas promessas de além mar revelam em mim, quando me encaram de frente!


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Rimbaud Verlaine

SONETO DO OLHO DO CU
 Obscuro e franzido como um cravo roxo,
 Humilde ele respira escondido na espuma,
Úmido ainda do amor que pelas curvas suaves
Dos glúteos brancos desce à orla de sua auréola.

 Uns filamentos, como lágrimas de leite,
Choraram, ao vento inclemente que os expulsa,
Passando por calhaus de uma argila vermelha,
 Para escorrer, por fim, ao longo das encostas.

 Muita vez minha boca uniu-se a essa ventosa;
 Sem poder ter o coito material, minha alma
 Fez dele um lacrimário, um ninho de soluços.

 Ele é tonta azeitona, a flauta carinhosa,
Tudo por onde desce a divina pralina,
 Canãa feminino que eclode na umidade.

 Escrito a 4 mãos, Rimbaud, Verlaine

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Sim, meu voto é do Haddad! Não tenho dúvida nenhuma em relação a isso. Me explico: O argumento mais alardeado pelos adiversários de meu candidato é a imagem de Lula apertando a mão de Maluf.Muitos outros, amigos queridos, dizem que anularão o voto, pois não podem compactuar com a imagem largamente veiculada.Acreditam que abstendo - se,demonstram seu desagrado, sua indignação perante a tal aliança que garante mais tempo televisivo para o PT, fazendo assim com que o povo conheça o rosto e o programa de governo do candidato. Tenho 3 motivos principais para não me deixar impressionar nem um pouco nem me afetar pela imagem " nefasta" LULA- Maluf. Em primeiro lugar, está minha desconfiança em relação à forma como as imagens são elevadas de forma tão ingênua à categoria de verdades evidentes. Os "São Tomé" do mundo das imagens crêem que basta " ver para crêr". Será que não passa pela cabeça de ninguém, dos experts das tecnologias,até de publicitários com os quais conversei sobre o assunto, que hoje as imagens se vulgarizaram e tornaram - se manipuláveis a tal ponto, que uma criança de 5 anos, com um celular em punho pode criar, apagar,construir evidências e verdades? Nâo nego que houve um aperto de mão mas afirmo que a forma como foi mostrado, o enquadramento, o momento MINUCIOSAMENTE PINÇADO DO TEMPO, as palavras obliteradas, impossíveis de serem ouvidas e analisadas com calma num registro de imagem, geram falso efeito de verdade evidente por si mesma. AS IMAGENS NÃO DIZEM TUDO. EM UM TEMPO EM QUE A VELOCIDADE É VIRTUDE QUASE SAGRADA E QUE A REFLEXÃO SE TRANSFORMA EM PASSA-TEMPO SUPERFLUO, AS IMAGENS SÃO TÃO OU MAIS PASSÍVEIS DE SEREM USADAS COMO ARMA DE MANIPULAÇÃO POLÍTICA DO QUE OS DISCURSOS. Em segundo lugar está minha certeza de que se Lula conseguir, com um simples aperto de mão, livrar a cidade de Serra e de Russomano-uma-igreja -em-cada-esquina, fará muito mais por nós do que as "boas almas" que preferem se abster a lidar com os processos políticos reais, inerentes à prática democrática. Em terceiro lugar: apoio o PT por alguns motivos e vou pontuar de forma sucinta:Bilhete único, CEUS, lei de Fomento ao Teatro, corredores de ônibus, bolsa família, pontos de cultura. Concordo com a orientação das políticas sociais e culturais do partido (tirando as bobagens de Ana de Holanda que, graças a Deus, já se foi). Enfim, penso que aqueles que creem que abstendo -se, colocando - se supostamente FORA DA RODA preservam uma espécie de "pureza ética", não percebem que estão servindo cegamente a um tirano silêncioso: a ideologia.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Walt Whitman

Quando soube ao fim do dia que o meu nome fora aplaudido no capitólio, mesmo assim nessa noite não fui feliz, E quando me embriaguei ou quando se realizaram os meus planos, nem assim fui feliz, Porém, no dia em que me levantei cedo, de perfeita saúde, repousado, cantando e aspirando o ar fresco de Outono, Quando, a oeste, vi a lua cheia empalidecer e perder-se na luz da manhã, Quando, só, errei pela praia e nu mergulhei no mar, rindo ao sentir as águas frias, vi o sol subir, E quando pensei que o meu querido amigo, meu amante, já vinha a caminho, então fui feliz, Então era mais leve o ar que respirava, melhor o que comia, e esse belo dia acabou bem, E o dia seguinte chegou com a mesma alegria e depois, no outro, ao entardecer, veio o meu amigo, E nessa noite, quando tudo estava em silêncio, ouvi as águas invadindo lentamente a praia, Ouvi o murmúrio das ondas e da areia como se quisessem felicitar-me, Porque aquele a quem mais amo dormia a meu lado sob a mesma manta na noite fresca, Na quietude daquela lua de Outono o seu rosto inclinava-se para mim, E o seu braço repousava levemente sobre o meu peito - nessa noite fui feliz. Acho tão lindo esse poema de Walt Withman

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Precisei de números para mesurar o seu descaso.
Era preciso ve-lo representado em sinais,
Nào desejava toca - lo e me desintegrar  em névoa de outono,
(Sempre se pode faze - lo barro ou tinta e tocar)
Mas para forjar na matemática do vazio, um lampejo de compreensão qualquer de minha febre matutina.


Escolhi os segundos de sua ausencia como metro de tristeza.
Somei -os à minha fraqueza e,
No frigir do peito,
os números beiraram a eternidade.
E pensar que todo,
Todo o assustador espaço infinito de Pascal,
todo seu abismo,
Se preencheria com uma única palavra.
Uma







quarta-feira, 9 de maio de 2012

Amador, até ossos e medulas!
Nada contra os  infelizes
Nada a favor dos tutores e mestre escolas.
Mas por favor, nada me ensinem  os vitoriosos de amanhã!
Quero a ignorância dos amantes,
Seu tempo, hora faminto hora intangível
Pêndulo a oscilar sem sentido algum...
Sua incerteza atávica, DNA de auroras e equívocos.