terça-feira, 3 de dezembro de 2013

De pior em mim!

Esse não será um poema em segunda pessoa!
Não lhe devemos conjugações, concordâncias ou deferências.
Nem mesmo um poema será!
Só o eco daquilo que de pior em mim secretamente gargalha,
diante do arco de seu naufrágio anônimo.

Tudo  deixamos!
Deixamos as portas abertas para
Seus impérios de Rockfeller
Seus estaleiros de Aristóteles
Seus delírios em Waterloo,
Estão aí, dissemos nós!
Você venceu!
Vai!
Se empanturra, glutão!
Come, engole, deglute,
Regurgitante rato.

Hoje, se enforca nas tranças de lençóis puídos!
Não há mais como fugir,
Sem janelas, sem ilhas de Elba, sem mais....
Se afoga nas lágrimas que derramamos,
pois é pedra atada ao pescoço dos teus.
Se engolfa, se implode na solidão de teu castelo de fracassos
Não roubou um banco, nem fundou um....
Nada de loteria,
Rockfeler de padaria,
Onassis das esquinas
Napoleão de hospício.
Ensaia agora seu sorriso sem dentes,
Alimenta os vermes da mentira com a carne de teus filhos!

Tudo deixamos!
Muito do que era amor em nós,
esmagado sob suas patas.
Levou tanto da infancia, da graça....
Agora,
submerge no oceano das memórias tristes guardadas, sob a sola do pé, de cada passo de nossa estrada!




domingo, 20 de janeiro de 2013

A dança



Para atravessar a pista de dança,
ele me deu a mão.
E o lodo pantanoso do tempo,
que se entranhava entre meus dedos,
fez se tapete de algodão.
Midas da delicadeza,
magro, mago, menino,
cego condutor de cego
fugido de um quadro de Brueghel.

E se eu tropeçasse?
Se me perdesse?
Se me pisoteassem o couro com seus tênis de borracha?

Fazia calor na pista de dança
mão com mão,
foi desavisado seu gesto  a me lembrar do presente:
É você, é aqui, é já!
Houve brisa na pista de dança.
E eu, de mestre dançarino,
me fiz aprendiz do destino,
sob o ritmo dos passos
e os requebros do futuro.
Tão conduzido e leve pelas mãos grandes de um menino.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

os óculos do ditador - retratos masculinos

em uma cadeira de rodas  me recebeu em sua sala. short, pijama com pernas brancas a mostra. caí ao tentar pendurar uma cortina, disse ele, cortina da casa de uma tal senhora da igreja, necessitada de ajuda. fraturara o fêmur e agora possuía, dizia quase que com orgulho, duas espadas de titâneo a lhe suportar a perna. carece dizer ainda que  sua figura, antes tão assustadora, pareceu me naquele momento assustadoramente patética. possuía ainda  visíveis traços de outros tempos: a forma de responder perguntas pelos outros membros da família, decidir do que e como cada um dos convivas deveria se alimentar, proferir sentenças definitivas sobre generalidades, fazer justiças entre uma garfada e outra.as novidades de toda a prole eram dadas por ele juntamente com o juízo antecipado correspondente e  apreciação definitiva. finalizava ainda seus desígnios  com pontos de esclamação ou interrogações retóricas.
olhando suas unhas mal cortadas, as pernas de seda violeta sobre a estrutura esfacelada, a protuberância tímida do macho de outrora, o pijama cômico a lhe cobrir o peito arfante, os ralos pelos cinza-alaranjados mais revelando que cobrindo a pele murcha do crâneo, cheguei a sentir uma ponta de ternura por aquele homem que tanta dor foi capaz de causar a todos  nós. fantasma perseverante de nossa história, lobo mau, vilão de novela, alfinete espetado na goela.
ao seu lado, sua mulher olhava. verbo sem objeto. olhava. num alheamento de quem espera. o pequeno cão negro sobre seu colo respirava por ela..não falava, não latia.
o filho, a avó, repetiam frases já tantas vezes ditas, secas feito flor esmagada entre duas páginas de um compêndio de  outro século. minha história tão amarelecida....
café,chá, adoçante, aspartame, stévia, Deus, tempo tempo tempo, tia, primo, morte, morte, cabelo, coluna, com saúde, graças a Deus.
o tempo passou, pensei. eu era um outro!
nas despedidas, beijei a avó, o filho, a mulher. me voltei para ele. apertei sua mão (a mão do tempo) e sua pele era áspera, seca, quente. 
 na porta ainda me voltei e de relance pude ver, grudado a sua face, os óculos escuros do ditador.




 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Esperando .... por Kavafis


Poema de Kavafis.... estamos sempre esperando que o fim nos mostre o sentido de todo esse ir e vir, lutar, sofrer.... Mas e quando o fim não vem?




À ESPERA DOS BÁRBAROS

O que esperamos na ágora reunidos?

      É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      Que leis hão de fazer os senadores?
      Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      O nosso imperador conta saudar
      o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
      um pergaminho no qual estão escritos
      muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

      É que os bárbaros chegam hoje,
      tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

      É que os bárbaros chegam hoje
      e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

      Porque é já noite, os bárbaros não vêm
      e gente recém-chegada das fronteiras
      diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
                    [Antes de 1911]

sábado, 8 de dezembro de 2012

Eu, Oswaldo: Pierrot le Fou




Godard me chegou por Caetano Veloso lá pelo final dos anos 80. Lia um estudo sobre a vida e obra do compositor tropicalista no qual havia a descrição da polêmica entre ele e Roberto Carlos devido à proibição do filme Je vous salue, Marie.
En ce temps lá, eu e um amigo, Oswaldo Palhares, começávamos a nos tornar cinéfilos sem o saber. Frequentávamos o único cinema de arte de Belo Horizonte, sala Humberto Mauro, nos perdíamos deliciosamente  nas quebras de narrativas, nos filmes herméticos, nos clássicos e caminhávamos por horas a fio, falando deles, de nós, da vida.
Foi numa tarde, depois de estudarmos nos bancos da Praça da Liberdade que , passando pela locadora, encontrei o polêmico filme.
Sem titubear loquei- o e junto a meu amigo, comecei a assisti- lo. Nunca havíamos visto nada parecido. Era como se algo absolutamente importante se aprensentasse para nós, mas ao mesmo tempo insistisse em nos escapar. Sabíamos que havia algo alí. Oswaldo adormeceu antes que pudesse ver Marrie passando seu baton vermelho na última cena do filme. Oswaldo  voltou a Godard muitas e muitas vezes depois, realizando seu mestrado em cima do autor e se tornando um expert em teoria do cinema.
Mas o que será que me faz amar profundamente  Godard? O que me faz voltar obssessivamente a esse velho anarquista chato que ninguém quer ouvir? O mais estranho é que quanto mais herméticos são seus filmes, mais tenho a compulsão de assisti- los mais e mais.....
Essa semana comprei a maioria de seus filmes numa banca de filmes piratas na rua Augusta. Estou assistindo a todos em ordem cronológica e com muito prazer  revejo outros duas três vezes. . A impressão é cada vez mais forte.
Escrevo imediatamente depois de rever Pierrot le fou.O impacto em mim é como o que senti ao ler Irmãos Karamazov pela primeira vez, ou assistir ao Ham - Let na reabertura do Teatro Oficina. É como se a Liberdade se tornasse evidente enquanto construção. Aventura! Como se forma e conteúdo se mostrassem em sua indissociabilidade na invenção infinita da vida.
Godard desafia a todo momento. Faz Ana Karina e Belmondo falarem comigo desavergonhadamente, tira meu carro da estrada fazendo- o mergulhar no Mediterrâneo, debocha dos marinheiros americanos e rouba deles dinheiro que usam na continuação da aventura de ser livre, citam Rimbaud, Lorca numa praia deserta.
É comum dizer que Godard é um gênio do cinema cujas tantas invenções são melhor aproveitadas por outros cineastas que as roubam e aplicam melhor..... Pode ser. Mas o que me fascina sempre é esse impulso desavergonhado adolescente, evidente na Nouvelle Vague, mas que se mantem nesse velho de 82 anos.
É como se eu pudesse respirar um pouco. Como se eu e o cinema perdêssemos a vergonha de viver.


sábado, 3 de novembro de 2012

Sobre olhos azuis e poemas

Lugar comum: um mineiro que busca o mar....
Além das montanhas ele imagina... mas o que  imagina ele?
O que imaginava eu?
Criança,  aproximava -me sorrateiro de minha tia de olhos azuis.
Ela, que morava no Rio de Janeiro em frente  à praia do Leblon, prolongava um pedacinho do mar por dentro dos olhos. Qual outra razão para seus olhos azuis, a não ser o parentesco misterioso com o  mar? Enxergava para além das minhas montanhas e ladeiras de cada dia e a prova disso eram as esmeraldas cravadas justo no nascedouro dos horizontes... orgãos do ver e do imaginar outras paragens, bem incrustados no corpo. Minha tia tinha o misterioso privilégio de possuir suas próprias veredas.
Mais tarde me disseram que ela estudara Freud e que por isso podia dizer aos outros muitas verdades, sem vergonha, medo ou culpa. Não seria por causa do mar? Minha tia ia à Europa! Não iria ela pelo mar, ou pelo ar, o que em termos de cores e de olhos dá no mesmo?
O tempo passou... passamos.
Minha tia "fechou Freud e abriu Drummond" e agora faz poesia.
Já desconfiava que poemas, marolas, tormentas, odes e ondas, domingos de sol e ressacas faziam parte de um mesmo complexo poema. Quando li seus versos pela primeira vez, fiquei certo disso.
Também eu li Freud e me deito resignado em seu divã uma vez por semana a espera de ouvir verdades. Também leio constantemente os poetas,  arrisco - me em suas tormentas  e me deito na areia de seus domingos de sol.
Mas principalmente, continuo criança fascinada por olhos azuis. Quantas promessas de além mar revelam em mim, quando me encaram de frente!


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Rimbaud Verlaine

SONETO DO OLHO DO CU
 Obscuro e franzido como um cravo roxo,
 Humilde ele respira escondido na espuma,
Úmido ainda do amor que pelas curvas suaves
Dos glúteos brancos desce à orla de sua auréola.

 Uns filamentos, como lágrimas de leite,
Choraram, ao vento inclemente que os expulsa,
Passando por calhaus de uma argila vermelha,
 Para escorrer, por fim, ao longo das encostas.

 Muita vez minha boca uniu-se a essa ventosa;
 Sem poder ter o coito material, minha alma
 Fez dele um lacrimário, um ninho de soluços.

 Ele é tonta azeitona, a flauta carinhosa,
Tudo por onde desce a divina pralina,
 Canãa feminino que eclode na umidade.

 Escrito a 4 mãos, Rimbaud, Verlaine