olhando suas unhas mal cortadas, as pernas de seda violeta sobre a estrutura esfacelada, a protuberância tímida do macho de outrora, o pijama cômico a lhe cobrir o peito arfante, os ralos pelos cinza-alaranjados mais revelando que cobrindo a pele murcha do crâneo, cheguei a sentir uma ponta de ternura por aquele homem que tanta dor foi capaz de causar a todos nós. fantasma perseverante de nossa história, lobo mau, vilão de novela, alfinete espetado na goela.
ao seu lado, sua mulher olhava. verbo sem objeto. olhava. num alheamento de quem espera. o pequeno cão negro sobre seu colo respirava por ela..não falava, não latia.
o filho, a avó, repetiam frases já tantas vezes ditas, secas feito flor esmagada entre duas páginas de um compêndio de outro século. minha história tão amarelecida....
café,chá, adoçante, aspartame, stévia, Deus, tempo tempo tempo, tia, primo, morte, morte, cabelo, coluna, com saúde, graças a Deus.
o tempo passou, pensei. eu era um outro!
nas despedidas, beijei a avó, o filho, a mulher. me voltei para ele. apertei sua mão (a mão do tempo) e sua pele era áspera, seca, quente.
na porta ainda me voltei e de relance pude ver, grudado a sua face, os óculos escuros do ditador.
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