quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cartas a um jovem poeta - kalepa ta kala




kalepa ta kala

Li o livro "Cartas a um Jovem Poeta" há alguns anos atrás. Morava ainda em Belo Horizonte e tinha uma espécie de sede errática de conhecimento. Aos 18 anos de idade, enxergava à minha frente uma trajetória de vida milimétricamente planejada: medicina, depois psiquiatria, ou melhor, psicanálise freudiana otodoxa. Mas no fundo no fundo, desejava mesmo era ser filósofo ou poeta.
Escolhi o livro pelo título em uma banquinha na PUC de BH. Não sabia do que se tratava, nunca ouvira falar em Rilke, mas era jovem e, secretamente, considerava - me poeta. Devorei os conselhos do velho poeta ao jovem Franz Xaver Kappus.
O futuro não foi bem da maneira que eu planejara..... Hoje sou ator e músico. A psicanálise e a filosofia continuam sendo paixões ( não me tornei analista, mas fui, por 8 anos, paciente)e companheiras fiéis em meu cotidiano.
Recentemente comprei uma edição de bolso a dez reais em uma banca na av. Paulista. Uma leitura rápida, agradável e emocionante. De minha primeira leitura me sobravam ainda algumas lembranças, conselhos práticos acima de tudo: não escrever poemas de amor, ligar- se às experiências da infância e, principalmente, só escrever se for absolutamente indispensável escrever!
"Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite:"Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão."

Nessa segunda leitura, a relação que Rilke estabelece entre solidão e singularidade foi o ponto que mais me chamou a atenção.
Ele aconselha Kappus a cultivar a solidão, deixa- la crescer, conviver com ela, pois só assim seria possível lidar com a vida de uma maneira verdadeira, escapando aos lugares comuns, às soluções óbvias elaboradas pela coletividade, aos estereótipos.Só assim seria possível atingir a verdade poética. Mesmo no amor, que Rilke diz ser o que há de mais difícil na experiência humana, deve- se buscar fugir às soluções legitimadas pela coletividade. Só assim a relação a dois, seus mistérios e delícias, pode ser elaborada de maneira única, sem que se necessite recorrer às formulas pré- fabricas, aos lugares comuns do bom senso.Rilke chega a afirmar que os jovens não amam verdadeiramente e que mesmo quando contestam as regras estabelecidas, fazem -no, na maioria das vezes, reafirmando lugares comuns.
Para esse grande poeta, o exercício da solidão possibilita o florescimento do estilo.
Não é fácil. Trata- se do exercício da dor de estar só, para que se possa dizer a existência do ponto de vista dessa solidão. Essa tarefa hercúlea é, algumas vezes, insuportável. Mas como diz Platão, recorrendo à um ditado grego,Kalepa ta Kala, o belo é difícil.

Um comentário:

  1. para dar uma trilha sonora ao teu post ;)
    http://www.youtube.com/watch?v=42ot0i2w8zY

    gostei :)

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